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debate quente numa noite fria - rússia na ucrânia em 2022: o leste europeu em transe

Atualizado: 13 de dez. de 2022


Tivemos o Primeiro Debate sobre a Guerra na Ucrânia, a partir do livro ENSAIOS SOBRE A GUERRA Rússia Ucrânia 2022 que está em campanha de financiamento coletivo pelo Catarse e será publicado por nós, muito em breve!


Foto de Rodrigo M. M. Santos


Svetlana Ruseishvili (UFSCar), que assina um dos ensaios do livro, foi nossa convidada e esteve conversando com os organizadores Bruno Gomide (FFLCH-USP) e Neide Jallageas (Kinoruss).


Um dos assuntos da conversa com a autora foi o antagonismo do presidente russo, Vladímir Pútin ao pensamento revolucionário de Lênin sobre a autonomia dos povos x imperialismo russo.

Abaixo segue um trechinho de ENSAIOS SOBRE A GUERRA Rússia Ucrânia em que Svetlana expõe justamente este assunto:


“Lênin se recusa a ignorar a assimetria de poder entre os povos criada pelos séculos do imperialismo russo, mas quer enfrentá-la como um fenômeno histórico concreto e como uma barreira significativa na construção de um Estado proletário. Não existe luta proletária pela liberdade do jugo da burguesia nas sociedades onde ainda há opressão imperialista.

As diretivas propostas por Lênin nesse texto não foram levadas a cabo por Stálin. A autonomização das repúblicas soviéticas foi implementada pelo Krêmlin apenas pró-forma e de maneira tutelada, a liberdade e a iniciativa local foi sufocada, assim como temia Lênin quando tachou Stálin, Ordjonikídze e Dzerjínski de “derjimordas”. O texto em Foto de Rodrigo M. M. Santos questão só foi publicado em 1956 e, antes disso, era apenas do conhecimento do partido.

A posição de Lênin sobre o papel da emancipação nacional dos povos oprimidos para a revolução proletária é ancorada na análise de relações sociais concretas e abomina categorias abstratas. Em seus debates com Rosa Luxemburgo, que via a forma nacional do Estado como produto da sociedade burguesa, Lênin tinha refinado a sua teoria do internacionalismo proletário ainda em Imperialismo, etapa superior do capitalismo, de 1916.

O objetivo final da luta proletária é, sem dúvida, o internacionalismo, mas este deve passar primeiramente por um nacionalismo dos povos oprimidos. No entanto, o nacionalismo dos oprimidos não pode ignorar as tendências da burguesia nacional local pelo aparelhamento do Estado nacional em defesa de seus interesses e contra os interesses dos trabalhadores. A verdadeira emancipação, para Lênin, implica em lutar pela liberdade da classe trabalhadora paralelamente e com o mesmo empenho que se luta pela liberação do domínio colonial. A luta do proletariado de uma nação oprimida se desenvolve, portanto, em duas direções: contra o colonialismo e contra o nacionalismo burguês em seu próprio país."

Foto de Rodrigo M. M. Santos


O historiador francês Yves Cohen, que também assina um ensaio de nosso livro, esteve presente e participou contando um pouco de sua pesquisa de campo na Ucrânia, logo após Maidan, em Kyiv. Cohen faz uma análise fina do ocorrido a partir de 2013 que é um ponto crucial para quem deseja empreender qualquer esforço reflexivo sobre a guerra na Ucrânia.

Confira abaixo um fragmento do texto de Cohen no livro ENSAIOS SOBRE A GUERRA Rússia Ucrânia:

“É evidente a inconsistência da opinião que reduz a agressão russa a uma “guerra da Otan”. Essa posição não apenas demonstra pouco interesse pelo processo histórico em curso desde o fim da União Soviética, como também não considera a dinâmica imperial própria da Rússia, que Vladímir Pútin assumiu à sua maneira. Outro ponto cego de tal postura é a ausência do principal interessado entre os atores em cena: a Ucrânia. A guerra seria inteligível apenas como a vontade de um imperialismo singular, o americano, apoiado pela Otan, ou somente como um confronto entre grandes potências, que não sofrem com a perda de seus vizinhos próximos, vassalos. Os países pequenos seriam, portanto, peões cuja política não tem nenhuma importância, e cujos povos são atores de interesse ainda menor. Eles não são levados em consideração, pois seriam “fracos” diante dos “fortes”, e sua própria história não desempenharia nenhum papel. Essa visão está difundida em parcelas significativas da opinião pública de esquerda no mundo, e entre alguns grupos e autores.

A experiência coletiva de Maidan é particularmente exemplar. Uma coisa tinha me intrigado e me levado a ir a Kyiv investigar pessoalmente, em abril de 2015: diante dos disparos dos atiradores em 20 de fevereiro de 2014, que mataram várias dezenas de pessoas naquele dia, os manifestantes não armados, protegidos apenas por escudos metálicos mais ou menos improvisados, não fugiam. Imagens muitos distantes daquelas do fuzilamento de 4 de julho de 1917 na avenida Niévski em São Petersburgo. De onde poderia vir tamanha resolução, tamanha força coletiva?

Pareceu-me necessário procurar o segredo de Maidan na própria praça, muito mais do que em um suposto nacionalismo exaltado, em uma organização de falanges militarizadas ou em uma limitação qualquer. O segredo estava nas pessoas muito diversas que a frequentavam e no conjunto das atividades que ela sediava: alimentação para todos, saúde, deliberação, autodefesa, cultura, religião, leitura, correio, arte, música... A utopia estava na praça quando ela nem tinha sido convocada. Tais fatos convidavam a uma postura investigativa que poderia ser definida a posteriori como pragmática, no sentido de que talvez o fenômeno possa ser pensado e, talvez, explicado apenas em função de sua própria dinâmica, em função do processo aleatório de seu desenrolar na praça."

📚 Organização do livro Bruno Gomide e Neide Jallageas Com a autoria de Angelo Segrillo, Anna Smirnova Henriques, Cristina Dunáeva, Daniel Aarão Reis, Elena Vássina, Fernando Bomfim Mariana, Helen Petrovsky, Henrique S. Carneiro, Letícia Mei, Lucas Simone, Martin Baña, Omar Ribeiro Thomaz, Pedro Fratino, Svetlana Ruseishvili, Vicente Ferraro, Volodymyr Tesko e Yves Cohen.


O DEBATE SOBRE ESSA GUERRA É VITAL!

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